Reabilitação de pisos de concreto com sistema autonivelante cimentício

A reabilitação de pisos de concreto representa um dos maiores desafios enfrentados por engenheiros e arquitetos em projetos industriais, comerciais e logísticos. Pisos deteriorados em galpões, centros de distribuição, hospitais ou shopping centers comprometem a funcionalidade operacional, a segurança dos usuários e podem resultar em custos elevadíssimos com manutenção corretiva.

Nesse sentindo, pisos de concreto representam elementos fundamentais em edificações com uso intenso, como galpões industriais, centros de distribuição, hospitais, centros comerciais, estacionamentos, áreas logísticas e até mesmo residenciais.

Desse modo, em função da operação contínua, da exposição a tráfego pesado, abrasão, impacto, agentes químicos e ciclos térmicos, esses pisos frequentemente desenvolvem patologias que comprometem sua funcionalidade e segurança. Além disso, entre os principais problemas observados estão a perda de nivelamento, desgaste superficial, desagregações localizadas, delaminações e fissuras induzidas por retração ou fadiga.

Mais ainda, historicamente, a reabilitação de pisos de concreto era feita por meio de substituição de placas de concreto ou aplicação de argamassas espessas, além de técnicas que demandam longos prazos de execução, alto custo e impacto significativo na operação do ambiente. Nesse sentido, os revestimentos autonivelantes cimentícios emergem como soluções técnicas avançadas para a reabilitação rápida e durável de pisos de concreto existentes.

Características das argamassas autonívelantes para reabilitação de pisos de concreto 

Formulados a partir de ligantes de cura rápida, cargas minerais, polímeros redispersíveis, aditivos especiais e, em alguns casos, fibras estruturais, esses materiais proporcionam uma superfície monolítica, resistente, plana e compatível com revestimentos finais como resinas, vinílicos ou tratamentos decorativos.

Além do desempenho mecânico superior, esses sistemas oferecem trabalhabilidade prolongada, autoadensabilidade controlada, baixa segregação, resistência a retrações e excelente adesão ao concreto preparado, mesmo em espessuras reduzidas (geralmente entre 6 mm e 20 mm). Além disso, a aplicação pode ser feita por vertimento ou bombeamento contínuo, com controle de qualidade em campo por meio de ferramentas como o sistema Fail-Safe, garantindo uniformidade e confiabilidade em larga escala.

Desse modo, a adoção dos autonivelantes cimentícios não apenas otimiza o processo de recuperação de pisos, mas também reduz o tempo de inatividade das operações, melhora a planicidade para sistemas automatizados e atende às exigências de sustentabilidade com formulações de Zero VOC e cura autônoma, eliminando a necessidade de cura úmida tradicional.

Logo, o objetivo deste artigo é explorar tecnicamente o uso do revestimento autonivelante cimentício na reabilitação de pisos de concreto, detalhando suas características físico-químicas, condições de aplicação, critérios de desempenho e inovações tecnológicas que vêm transformando as práticas de recuperação de superfícies cimentícias em ambientes críticos.

Caracterização técnica do revestimento autonivelante cimenticio, substrato e aplicação

Os revestimentos autonivelantes cimentícios são sistemas desenvolvidos para reabilitação superficial de pisos de concreto, promovendo nivelamento, regularização e reforço mecânico da camada superficial com espessuras finas e controle rigoroso de planicidade. Diferenciam-se de argamassas convencionais por apresentarem:

  • Capacidade de autoadensamento (autonivelamento) sem segregação;
  • Resistência inicial elevada, permitindo liberação ao tráfego em poucas horas;
  • Formulação modificada com polímeros, cimentos especiais e aditivos reológicos, que proporcionam fluidez controlada;
  • Compatibilidade com aplicação manual ou bombeada, facilitando uso em grandes áreas com rapidez.

 

Imagem mostra a aplicação do autonivelenta por bombeamento
Foto 1: Aplicação do autonivelante por bombeamento

Verificação do substrato antes de realizar a reabilitação de pisos de concreto

Para este sistema é fundamental a verificação do substrato antes de qualquer preparação ou aplicação.

  • Avaliar a umidade residual do concreto: Recomendável ≤ 3,0% de umidade. Assim, se a umidade exceder esse limite, recomenda-se o uso de barreira de vapor. Ensaios recomendados: ASTM F1869, ASTM F 2170 e medidores de umidades convencionais.
Imagem mostra a medição do nível de umidade no concreto
Foto 2: Determinação de umidade, piso apresentando 7,1% de umidade
  • Avaliar a resistência de aderência à tração do substrato: Mínimo exigido: 1,0 MPa.
Imagem mostra como determinar a resistência a aderência à tração
Foto 3: Determinação da resistência de aderência à tração
Imagem mostra a aplicação do autonivelante por bombeamento
Foto 4: Equipamento para determinação da resistência de aderência à tração
  • Determinar o perfil de rugosidade da superfície (CSP): Deve apresentar CSP 5 a 6 (ICRI – International Concrete Repair Institute).
Imagem mostra um template de perfil de rugosidade
Foto 5: Perfil de rugosidade CSP 6
Preparo do substrato
  • Remoção de contaminantes: Óleo, graxa, ceras, seladores, tinta, poeira ou qualquer outro contaminante que possa comprometer a aderência devem ser completamente removidos. Não utilizar limpeza ácida, detergentes ou solventes.
  • Método de preparação: Fresamento mecânico. Perfil de rugosidade mínimo CSP 5 a 6.
  • Tratamento de juntas: Junta de dilatação típica para solicitação mecânica deverá ser respeitada e mantida.
  • Junta de execução típica sem movimentação. Fazer corte em “V” e tratar com argamassa de reparo para piso.
Foto 6: Preparo do substrato, fresamento e aspiração

Primer

Acima de tudo, o  concreto, mesmo quando corretamente preparado, apresenta porosidade e variações de absorção. Como resultado, o primer atua como uma ponte de ligação química e mecânica entre o substrato poroso (concreto) e o revestimento cimentício, garantindo aderência e evitando descolamentos ou falhas de coesão na interface.

Trata-se de uma dispersão aquosa de copolímero látex, cujas partículas poliméricas penetram nos poros da superfície e, ao secarem, formam uma película contínua que melhora a aderência e estabiliza a interface entre substrato e revestimento, compensando diferenças de absorção e condições superficiais do concreto.

Concretos de forma geral tendem a absorver rapidamente a água da argamassa autonivelante, o que compromete a trabalhabilidade do produto, reduz o tempo de fluidez, prejudicando o autonivelamento. Pode gerar fissuras por retração plástica e perda precoce de resistência.

O ar retido nos poros do concreto pode ser expelido quando o autonivelante é aplicado, formando bolhas e crateras no acabamento final. O primer reduz significativamente esse fenômeno, conhecido como “outgassing”, pois preenche os poros e estabiliza a interface.

Componentes do primer melhoram a afinidade química entre o concreto e o revestimento

O primer contém componentes que melhoram a afinidade química entre o concreto (alcalino, poroso) e o revestimento cimentício. Desta forma, cria um ambiente ideal para que as reações de hidratação ocorram de forma eficiente na camada superficial, evitando manchas e variações de cor.

Importante ressaltar que o primer não é uma barreira de vapor e não substitui produtos específicos como epóxis impermeabilizantes, quando exigidos por normas como a ASTM F1869 (MVER) ou F2170 (UR).

A aplicação de primer antes de autonivelantes cimentícios é mandatória para garantir aderência, controle de absorção, prevenção de bolhas e estabilidade da cura, conforme boas práticas recomendadas por normas técnicas (ASTM, EN, ABNT) e associações como a ANAPRE.

Imagem mostra a aplicação do primer
Foto 7: Aplicação do primer

Mistura do autonivelante cimentício

A mistura correta do autonivelante cimentício é uma etapa crítica para garantir o desempenho técnico, durabilidade e acabamento superficial do sistema aplicado. Nesse sentido, essa fase influencia diretamente nas propriedades reológicas, a autoadensabilidade, o tempo de trabalhabilidade, a resistência mecânica e a aderência ao substrato.

O autonivelante cimentício é produto tecnicamente formulados com cimento especial de alta resistência e baixo teor de retração, areia selecionada e aditivos especiais, modificadores de reologia e agentes de controle de cura, em alguns casos, incluem polímeros redispersíveis e fibras.

A mistura correta, com o volume exato de água, na velocidade e tempo recomendados, e com equipamento apropriado, assegura a dispersão homogênea desses componentes. Ou seja, isso garante a formação adequada da rede de hidratação do cimento, a ação completa dos aditivos que conferem fluidez controlada e tempo de abertura estendido.

O autonivelante cimentício depende de um perfil reológico específico, ou seja, devem ter baixa viscosidade inicial para se espalhar, mas ganhar resistência com o tempo. A mistura correta assegura o espalhamento eficiente sem segregação, manutenção do tempo de trabalhabilidade e nivelamento espontâneo sem necessidade de desempeno.

Misturas com pouca água aumentam a viscosidade, dificultam o nivelamento e causam marcas de aplicação. Misturas com excesso de água provocam segregação, perda de resistência mecânica e retração excessiva.

Foto 8: Fail-safe. Controle de qualidade para garantir a consistência do produto

Boas práticas na mistura do autonivelante

Como boas práticas deve-se utilizar misturadores mecânicos com hélice de baixa rotação (400–600 rpm). Misturar por mínimo 3 minutos, até obter massa homogênea, sem grumos. Respeitar a proporção água/produto indicada na ficha técnica. Evitar adição de água após o início da pega. Utilizar água limpa, potável e livre de contaminantes.

Imagem mostra a mistura do autonivelante
Foto 9: Mistura da argamassa autonivelante cimentícia

Aplicação do autonivelante para reabilitação de pisos de concreto 

A aplicação do revestimento autonivelante cimentício exigi um controle rigoroso de variáveis técnicas, ambiente e procedimentos operacionais. Ou seja, quando realizada de forma correta, ela assegura planicidade, aderência, resistência e durabilidade, fundamentais para o desempenho do piso final.

Antes, durante e após a aplicação, é imprescindível controlar as condições do ambiente e substrato, como temperatura, umidade relativa, incidência de sol direta, vento, chuva e condensação. Isolamento da área aplicada contra tráfego ou vibrações nas primeiras horas.

Essas medidas visam evitar evaporação rápida, retração plástica, cura desequilibrada e outras interferências que prejudiquem o desempenho final.

A cura inicial ocorre entre 3 e 4, sendo esse o tempo mínimo recomendado para liberação ao tráfego leve. Para aplicação de revestimentos superiores (vinílico, carpete, resina etc.), deve-se aguardar a cura completa — geralmente entre 24 e 72 horas, conforme especificações. Para liberação de tráfego pesado o tempo mínimo recomendado é de 24 horas.

Tecnologias e Componentes Funcionais

As propriedades superiores do autonivelante cimentício derivam de suas formulações avançadas, que incluem:

  • Cimento especiais: proporciona alta resistência inicial, controle de retração e estabilidade química.
  • Polímeros modificados: aumentam a aderência, reduzem a permeabilidade e conferem maior tenacidade ao sistema.
  • Fibras sintéticas: controlam fissuração por retração plástica e aumentam a resistência à tração e ao impacto.
  • Aditivos de autocura: eliminam a necessidade de cura úmida externa, acelerando a liberação ao tráfego.
  • Agentes compatíveis com primers e barreiras alcalinas: permitem a aplicação segura sobre substratos críticos.

Desempenho Técnico e Resultados de Ensaios

Com base em dados de ensaios laboratoriais credenciados, o autonivelante cimentício demonstra desempenho técnico elevado:

Aplicações práticas para reabilitação de pisos de concreto

Os revestimentos autonivelantes cimentícios são utilizados em diversas situações em que se exige nivelamento técnico, alta resistência e rápida liberação ao tráfego, incluindo:

  • Reabilitação de pisos industriais com desgaste superficial e exigência de produtividade contínua;
  • Nivelamento de centros logísticos, galpões e CDAs, para adequação a sistemas automatizados e tráfego intenso de empilhadeiras;
  • Hospitais, supermercados e áreas comerciais, onde o acabamento estético e a planicidade são essenciais para revestimentos finais (como vinílicos e resinas);
  • Áreas de retrofit onde o substrato apresenta imperfeições, porém deve ser mantido por questões estruturais ou operacionais;
  • Pisos arquitetônicos e decorativos, permitindo coloração, polimento e selagens transparentes ou pigmentadas, agregando valor estético e resistência.

Considerações finais

O revestimento autonivelante cimentício é uma solução consolidada e tecnicamente robusta para a reabilitação superficial de pisos de concreto, especialmente em aplicações que demandam elevada planicidade, resistência mecânica, rapidez de execução e conformidade com critérios ambientais.

Esse sistema oferece vantagem significativa em relação às técnicas tradicionais de recapeamento espesso, permitindo intervenções com menor impacto operacional, reduzido tempo de paralisação e acabamento técnico uniforme, pronto para receber revestimentos finais ou ser utilizado como superfície definitiva.

Em outras palavras, para que esses benefícios se concretizem, é fundamental o cumprimento rigoroso das etapas de aplicação, que incluem: preparo adequado do substrato, com controle de umidade e rugosidade; uso correto do primer, essencial para a aderência e prevenção de falhas; mistura precisa, com proporção exata de água e controle reológico; e execução sob condições ambientais controladas, garantindo cura adequada e desempenho final.

Quando corretamente especificados e aplicados conforme as boas práticas e normas técnicas nacionais e internacionais, esse sistema entrega durabilidade, estabilidade dimensional, resistência a esforços mecânicos intensos e sustentabilidade ambiental, especialmente devido às formulações com Zero VOC e ciclos rápidos de cura.

Por fim, os revestimentos autonivelantes cimentícios se consolidam como uma escolha técnica de excelência para projetos de requalificação de pisos em ambientes industriais, comerciais, logísticos e hospitalares, aliando desempenho funcional, eficiência de execução e responsabilidade ambiental.

Autores: Cláudio Ourives e Eduardo Moraes 

 

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