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Durabilidade e Impermeabilidade de Concreto – Segunda Ponte Brasil-Paraguai

*Artigo apresentado no XIV Congresso Brasileiro de Pontes e Estruturas 

Autores: Cláudio Neves Ourives; Emilio Takagi

Resumo

Atualmente, as tecnologias das pontes se encontram bastante disseminadas desde as obras convencionais até as pontes suspensas e as estaiadas com sistema de aduelas ou balanços sucessivos, que dispensam escoramentos e que vencem grandes vãos. Apesar dessas modernidades, constata-se uma deterioração das estruturas precocemente pela não incorporação em projeto executivo de detalhes de impermeabilização e a não observação das boas práticas de execução. Como exemplo, em 1988, o trabalho apresentado pelo engenheiro Catullo Magalhães (Magalhães et al., 1989), junto com outros engenheiros da Prefeitura do Município de São Paulo, já denunciava que das 145 pontes vistoriadas, 86 tinham infiltrações nas juntas de dilatação (59,3%); 83 apresentavam vigas e lajes com infiltrações de água e/ou armaduras expostas (57,2%); entre outras várias manifestações patológicas constatadas. A infiltração de água, a falta de estanqueidade e problemas no sistema de drenagem são as causas de grande parte das manifestações patológicas do concreto de pontes. Para resolver problemas de infiltração de água, existem sistemas de última geração, que funcionam por um mecanismo de formação de cristais extras na microestrutura convencional do concreto, induzidos pela incorporação dos aditivos cristalinos e tratamentos de juntas de concretagem com argamassas de cristalização capilar para aumentar a chamada impermeabilização integral por cristalização, principalmente dos tabuleiros, mas também do concreto em geral de fundações, infraestrutura e superestrutura. Nesse trabalho, serão apresentadas essas tecnologias e detalhes utilizados no projeto da segunda Ponte Brasil-Paraguai.

Palavras-chave

Durabilidade; Impermeabilização; Concreto; Cristalização.

Introdução

A maior parte das 185 principais pontes e viadutos da cidade de São Paulo, em concreto armado e protendido, foi construída antes de 1984, apesar que o histórico de pontes e viadutos no Brasil e na própria cidade de São Paulo é amplo e, ao longo dos anos, se enriquece com as novas concepções introduzidas permanentemente pelos arquitetos e projetistas.  Atualmente as tecnologias das pontes se encontram bastante disseminadas, desde as obras convencionais até as pontes suspensas e as estaiadas com sistema de aduelas ou balanços sucessivas, que dispensam escoramentos e que vencem grandes vãos.

Apesar dessas modernidades a verdade é que nessas mais de três décadas, segundo o Prof. Vitor Aly, secretário da PMSP, declarou que “praticamente não houve manutenção dessas estruturas antigas, nem sequer houve arquivo adequado de projetos e intervenções ocorridas, e as ações se concentraram mas apenas ações de apenas em limpeza superficial e pinturas, de ordem estética”.

Em 1988, o trabalho apresentado pelo engenheiro Catullo Magalhães, junto com outros engenheiros da Prefeitura do Município de São Paulo, já denunciava o estado deplorável das pontes e viadutos da cidade de São Paulo. No relatório citado, consta que das 145 pontes vistoriadas, 86 tinham infiltrações nas juntas de dilatação (59,3%); 83 apresentavam vigas e lajes com infiltrações de água e/ou armaduras expostas (57,2%); 11 com pilares com armaduras expostas e/ou corroídas, entre outras várias manifestações patológicas constatadas.

Uma das razões desse descaso, por incrível que pareça, como revelou o rompimento da ponte dos Remédios ocorrido em 1997, passa pela identificação da instância  responsável pela manutenção dessas estruturas. Até o final dos anos 1970, a ponte dos Remédios era de responsabilidade do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), de âmbito estadual. Mas, na metade da década de 1980, passou para a jurisdição da Prefeitura Municipal de São Paulo. No período do acidente, discutia-se qual órgão era responsável pela sua inspeção e manutenção.

A infiltração de água, a falta de estanqueidade e problemas no sistema de drenagem são as causas de grande parte das manifestações patológicas do concreto de pontes, colaborando diretamente para a redução de seu desempenho e durabilidade.

Para resolver problemas de infiltração de água, além dos sistemas convencionais de impermeabilização, hoje existem métodos e sistemas de última geração, mais eficazes e menos onerosos, que garantem proteção do concreto contra a ação de agentes e ambientes agressivos. Essa proteção pode ser obtida por um mecanismo de formação de cristais extras na microestrutura convencional do concreto, induzidos pela adição dos aditivos cristalinos e pinturas de cristalização capilar para aumentar a chamada impermeabilização integral por cristalização, principalmente dos tabuleiros, mas também do concreto em geral desde as fundações, infra e meso estrutura de pontes e viadutos.

Impermeabilização integral por cristalização

Este artigo apresenta o concreto autocicatrizante “engenheirado”, que possui capacidade de autocicatrização autônoma, potencializadora do mecanismo de colmatação natural do concreto, por meio de um aditivo cristalino ou pintura de cristalização que ativa os componentes presentes na dosagem do concreto, como os cimentos e as adições minerais. Este método tem capacidade de reparar fissuras passivas com abertura de até 0,5 mm.

Os aditivos cristalizantes modernos, em sua quarta geração, pertencem à  categoria de aditivos impermeabilizantes redutores da porosidade do concreto,  amplamente empregada no mercado de produtos químicos da construção, sendo classificado como Permeability-Reducing Admixtures exposed to Hydrostatic conditions (PRAH), segundo a recomendação técnica americana ACI 212.3R-10 “Relatório sobre Aditivos Químicos para Concreto”. Já consta na última revisão da Norma de Aditivos para Concreto ABNT NBR 11.768: 2019, como aditivo redutor de permeabilidade por cristalização integral.

As pinturas cristalizantes estão na última revisão da norma ABNT NBR 9575, Parte 2, Projeto de Impermeabilização, como redutores de permeabilidade por cristalização integral aplicado sobre o concreto.

O consenso alcançado sobre o concreto autocicatrizante (CAC) entre a comunidade internacional resultou no relatório de estado da arte da RILEM “Fenômeno de autocicatrização em materiais à base de cimento”, publicado pelo Comitê Técnico 221-SHC, criado em 2005. Nele, distingue-se o mecanismo da colmatação “autógena” (ou natural), como sendo o fechamento de fissuras devido ao próprio  concreto, e a autocicatrização “autônoma” (ou de engenharia), como sendo o conjunto do selamento de fissuras e da restauração de propriedades mecânicas e de permeabilidade, devido tanto ao próprio  concreto quanto à ação positiva de alguma adição “de engenharia”, como os materiais cimentícios suplementares, fibras e os aditivos cristalinos.

O fenômeno da colmatação autógena de fissuras em concreto já teria sido reportado pela Academia Francesa de Ciências em 1836, sendo atribuído à transformação do hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) em cristais de carbonato de cálcio (CaCO3) como consequência da sua exposição ao dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Mais tarde, também foram observadas muitas fissuras cicatrizadas preenchidas com cristais de silicato de cálcio hidratado (C-S-H), de etringita (C6ASH32) e de carbonato de cálcio (CaCO3) devido ao mecanismo da autocicatrização por hidratação contínua de partículas não hidratadas de cimento e adições minerais, como cinzas volantes (CV) e escória de alto forno (EAF) residuais.

Na última década, uma grande quantidade de artigos de pesquisa dedicou-se à autocicatrização autônoma “engenheirada”, em diferentes aspectos de investigação, tais como, como a autocicatrização atua com reforço de fibras, autocicatrização produzida por bactérias produtoras de minerais, autocicratização por polímero superabsorvente, por agente cicatrizante contido em cápsulas e, atualmente, por adição de aditivo cristalino especialmente desenvolvido para esse fim.

Como relatado, há várias pesquisas e estudos que demonstram a viabilidade e utilidade do emprego de aditivos cristalizantes adicionados na massa do concreto, para uso em obras e estruturas novas. Sua principal função é reduzir o ingresso de águas agressivas e colmatar pequenas fissuras. Com isso reduzem substancialmente o risco de reações deletérias, pois todas elas (AAR, sulfatos, carbonatação e cloretos) dependem da presença de água. Barrar o ingresso da água é a missão e propósito desses aditivos e pinturas cristalizantes.

Ponte Brasil – Paraguai

Trata-se de uma ponte estaiada internacional sobre o Rio Paraná ligando o Brasil (Foz Iguaçu) e o Paraguai (Presidente Franco), na Rodovia BR 277/PR, com comprimento total de 760 metros composta por:

  • Dois encontros de 10m cada
  • Duas caixas de equilíbrio de 25m cada
  • Quatro vãos de acesso do lado Paraguay com 25m cada
  • Quatro vãos de acesso do lado Brasil com 30m cada
  • Um vão central estaiado de 470

 

Ponte Brasil-Paraguai
Figura 1 – Foto panorâmica da ponte Brasil – Paraguai (Fonte ANTW Engenharia).

 

Nos encontros, caixas de equilíbrio e apoios 5 e 6 foram utilizadas nas fundações diretas apoiadas em rocha. Nos apoios 2, 3, 4, 7, 8 e 9 foram usadas estacas tipo raiz coroadas por blocos em seus topos. Do topo dos blocos e sapatas dos apoios 2 a 9 foram executados pilares circulares até a cota do tabuleiro. Nessa cota, a execução dos pilares dos apoios 2 a 4 e 7 a 9 termina com a execução de uma viga de travamento entre os pilares do mesmo apoio. No caso dos apoios 5 e 6, também foi executada uma viga de travamento e, posteriormente, os mastros até a sua cota de topo.

As caixas de equilíbrio são executadas em três etapas. Primeiramente é executada a caixa externa em uma etapa e posteriormente a interna, em duas etapas, cada uma com cerca de metade de sua altura, para permitir espaço sobre elas para execução dos vãos de aproximação de concreto.

Os vãos de aproximação 1 a 4 e 6 a 9 são executados pelo método empurrado, onde os narizes metálicos (posteriormente usados como aduelas 1 do vão 5) são posicionados no vão 1 e vão 9. Os segmentos de concreto são sucessivamente concretados sobre as metades inferiores das caixas e equilíbrio e empurrados em direção ao vão 5. Quando os narizes metálicos atingem as suas posições finais, o processo de empurre é terminado e, a construção do vão 5, inicia-se pelo método de avanços sucessivos. As aduelas metálicas são trazidas pelos vãos de acesso e fixadas à frente da última aduela já fixada, posteriormente as lajes pré-moldadas são lançadas, grauteadas e os cabos de estai dessa aduela instalados. Esse processo de avanços sucessivos se repete até que o vão 5 esteja completo.

 

Figura 2 – Planta de locação das lajes pré-moldadas (fonte Consórcio Ponte Foz)
Figura 3 – Corte do tabuleiro (fonte ANTW Engenharia)
Figura 4 – Detalhes de seção de grauteamento (fonte Consórcio Ponte Foz)

Tratamento das juntas e impermeabilização do tabuleiro

Os detalhes fundamentais para a impermeabilização do tabuleiro começam na preparação das juntas de concretagem das lajes pré-moldadas no canteiro. As faces laterais da laje são apicoadas e hidrojateadas para deixar o agregado exposto para melhorar a ancoragem com o concreto de grauteamento. Ao serem empurradas e instaladas na posição no tabuleiro, tem as juntas de concretagem tratadas com a aplicação da pintura de cristalização por projeção pouco tempo antes do grauteamento, como uma ponte de aderência, com consumo de 1,0kg/m2. Antes dessa aplicação, o concreto estava na condição saturada e superfície seca (SSS).

 

Figura 5 – lajes pré-moldadas no canteiro (fonte ANTW Engenharia).

 

Figura 6 – lajes pré-moldadas empurradas no tabuleiro (fonte ANTW Engenharia).

 

Figura 7 – pulverização da pintura de cristalização na junta fria como ponte de aderência (fonte ANTW Engenharia).

 

O concreto de solidarização para a execução do grauteamento vem da usina de concreto com a adição do aditivo cristalização, dosado com 0,8% sobre a massa de cimento. O aditivo de cristalização não altera os tempos de pega e abatimento do traço do concreto. O concreto utilizado apresentava consumo de cimento CPII de 470kg/m3, metacaulim e agregado de basalto.

 

Figura 8 – grauteamento com concreto com aditivo cristalizante (fonte ANTW Engenharia).

 

Figura 9 – lajes pré-moldadas e grauteamento no tabuleiro em processo de cura (fonte ANTW Engenharia).

 

Após a execução da laje e cura, foi ainda pulverizado selador à base silicato modificado ao longo das juntas entre as 302 placas pré-moldadas e o concreto de grauteamento, ou seja, 7.248 metros de junta fria. Foi necessária essa aplicação pois as lajes não foram tratadas com a adição do aditivo de cristalização. Esse selador à base de silicato modificado não prejudica aderência com outros revestimentos como foi o caso do pavimento asfáltico.

 

Figura 10 – exemplo de aplicação por pulverização de selador à base de silicato modificado (fonte Penetron Intl).

 

Conclusão

Os tratamentos executados no tratamento da junta fria, com a pintura de cristalização, no concreto de grauteamento, com adição do aditivo cristalizante, e a aplicação posterior do silicato modificado interagem com o processo construtivo da obra de forma eficiente, sem comprometer o cronograma da construção.

Não são materiais tóxicos preservando a saúde dos trabalhadores envolvidos diretamente na aplicação.

São materiais que apresentam vida útil de projeto acima de 50 anos devido às características ativas de cristalização e por serem de base mineral. Produtos de base orgânica se decompõe ao longo do tempo perdendo o desempenho.

Portanto, devido às características de durabilidade, são indicados para projetos de infraestrutura que apresentam vida útil de projeto acima de 50 anos.

É sabido que no Brasil os projetos de pontes não contemplam projetos de impermeabilização de tabuleiros. O projeto de impermeabilização representa um valor adicional no CAPEX mínimo, abaixo de 1% do investimento total. Porém, permite uma grande redução de manutenção do concreto durante a fase operação.

Referências Bibliográficas

Magalhães, Catullo P.; Folloni, Ricardo; FURMAN, Horácio. Análise da Patologia das Obras de Arte do Município de São Paulo. In; Simpósio Nacional de Reforços, Reparos e Proteção das Estruturas de Concreto, São Paulo, maio 1989. Anais. São Paulo, EPUSP, 1989, p.3-17.

TAKAGI, E.; LIMA, M; MENDES LIMA, C. Aditivo cristalino para a impermeabilização integral por cristalização de estruturas de concreto de pontes. IBRACON, Revista Concreto 94, 2019.

 

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